Inaugurada em 2003, por ocasião dos 300 anos da cidade de São Petersburgo e uma das maravilhas da cultura russa e mundial, a atual Sala de Âmbar é o resultado do trabalho e da genialidade de 70 artesãos que, durante 25 anos e a partir de fotografias antigas, conseguiram reconstituir a Sala original, cujos painéis de âmbar* e outros objetos valiosos desapareceram do palácio Ekatarininsky, também conhecido como o "Palácio de Catarina", nos caóticos meses finais da Segunda Guerra Mundial - para jamais serem recuperados inteiramente.
A Sala de Âmbar era uma das obras-primas do século XVIII. Em 1716, o rei da Prússia Frederico Guilherme I presenteou o czar Pedro, o Grande, com 22 painéis para decorar uma sala de um dos palácios do monarca russo, em celebração ao Tratado de Paz assinado entre Prússia e Rússia. Os painéis foram feitos por um mosaico de mais de 100 mil peças esculpidas em âmbar. Dentre estas, encontravam-se elaborados brasões de armas, monogramas, paisagens e cenas mitológicas. A Sala de Âmbar foi inaugurada em 1755, após um elaborado trabalho conduzido pelo arquiteto italiano Bartolomeo Rastrelli, responsável também pela magnífica fachada em estuque azul, branco e dourado (cerca de 100 kg de ouro foram utilizados os entalhes nas paredes e também nas várias estátuas erguidas no telhado) do palácio Ekatarininsky, construção em estilo barroco, localizado na cidade de Pushkin (então e ainda hoje conhecida como “Tsarskoye Selo”, que significa Cidade do Czar), a 25 quilômetros de São Petersburgo.
Durante quase 150 anos, a Sala de Âmbar (com 150m²) serviu como suntuosa sala de representação dos czares e czarinas, iluminada por 565 velas que a faziam brilhar como ouro. Foi também a sala de meditação da czarina Elizabeth (filha de Pedro, o Grande), além do local para encontros do seu círculo íntimo da czarina Catarina, a Grande, e escritório predileto para o czar Alexandre II. Conhecida como a “sala que brilha para fora”, era sem dúvida a mais famosa sala à leste de Versailles.
O mistério sobre o paradeiro dos painéis e objetos roubados da Sala de Âmbar original está diretamente relacionado com a política nazista de Adolf Hitler para a então União Soviética (agora novamente Rússia) que era a de, não só roubar sistemáticamente milhares de pinturas, joias, ícones e outros tesouros, mas, principalmente, destruir sua cultura. E a Sala de Âmbar era mais do que somente um troféu roubado, era a peça central do plano nazista.
Em 22 de junho de 1941, Adolf Hitler iniciou a Operação Barbarossa, enviando 4,5 milhões de soldados através das fronteiras da União Soviética. Em 8 de setembro do mesmo ano, a cidade de Leningrado (antes São Petersburgo) estava fortemente cercada pelo Exército do Norte (para a Operação foram determinados três grupos de exércitos: Norte, Centro e Sul), cada um liderado por generais da confiança de Hitler. Em Pushkin, que já via cair suas defesas, autoridades reuniram mulheres e crianças em uma frenética, desesperada e falida tentativa para empacotar centenas de objetos da era czarista e transportar para as Montanhas Urais. Mas, em relação ao que aconteceu com a Sala de Âmbar, ninguém até hoje sabe explicar o porquê: em vez de desmontar os preciosos painéis, o curador Anatoly Kuchumov preferiu disfarçá-los sobre camadas de folhas de papel pintadas, gaze e algodão. Assim, quando caíram as defesas soviéticas, tudos os objetos e painéis da suntuosa Sala ficaram sob o controle de Alfred Rosenberg, um dos chefes e ideólogos do Partido Nazista alemão.
Para Rosenberg, cuja missão era purificar e exaltar a cultura germânica, o conteúdo da Sala Âmbar era decisivo como fator argumentativo de que a cultura germânica era superior a todas as outras, no caso não interessando que a sala foi instalada e embelezada pelo italiano Rastrelli e que, dos seus mestres-artesãos, um era francês e o outro, dinamarquês. Para Hitler e seu círculo, o presente do rei prussiano Frederico Guilherme representava a maestria dos artesãos alemães. Em novembro de 1941, todas as milhares de peças que formavam a decoração da Sala já estavam catalogadas e numeradas e, durante 36 horas, seis homens trabalharam para desmontar e encaixotar todo seu o conteúdo. Os preciosos painéis, que tinham chegado da Prússia há quase 200 anos, agora voltavam à Alemanha em um veículo militar. A Operação Barbarossa, a maior operação militar da História em termos de forças militares envolvidas e número de mortes, foi um fracasso para Hitler, mas não a subtração de um dos maiores tesouros da Rússia, que foi um sucesso.
Na Alemanha nazista, os painéis e todos os objetos foram instalados no castelo-museu de Königsberg e, desde então, sua apresentação se tornou um sucesso de público. O diretor do museu, Alfred Rohde, era um estudioso do âmbar e conhecido por ficar horas admirando os painéis e objetos roubados do palácio Ekatarininsky. Uma das “justificativas” para o conteúdo da Sala estar na Alemanha era de que o antigo palácio de Catarina tinha sido devastado pela guerra. Mas em 1943, Rohde foi obrigado a desmontar os painéis e encaixotá-los: agora era a vez da Alemanha ser invadida. A cidade foi bombardeada em agosto e o castelo-museu não foi poupado. Pela correspondência deixada pelo curador do devastado museu, sabe-se que os painéis e objetos da Sala de Âmbar sobreviveram ao ataque aliado, mas pouco se sabe sobre eles além disso. Quando o exército soviético chegou à Königsberg, Alfred Rohde e sua esposa decidiram ficar na cidade. Interrogados durante dias pela KGB, jamais disseram onde o tesouro de âmbar estava escondido. Passados alguns dias, as autoridades soviéticas foram informadas de que o casal havia morrido de tifo, epidemia que grassava pela cidade. Começava então o mistério do paradeiro das peças da Sala de Âmbar: os corpos do casal haviam sumido, assim como o médico que havia assinado o certificado de óbito.
Durante os anos que se seguiram ao bombardeio de Königsberg, várias teorias para o desaparecimento dos objetos e painéis surgiram: Stalin teria a posse dos objetos verdadeiros, enquanto os alemães roubaram objetos falsos; as peças foram enterradas em uma mina de sal pela Gestapo, que depois matou os soldados envolvidos na operação e selou o local; as caixas com as milhares de peças foram descobertas e vendidas aos soldados americanos; um grupo formado por negociantes de arte, ex-nazistas e ex-militares soviéticos estaria de posse do tesouro; e ex-oficiais nazistas que fugiram para o Brasil teriam dito que as caixas estavam escondidas em uma mina de prata perto de Berlim.
Para aumentar a sensação do mistério da Sala de Âmbar, algumas peças reapareceram nos anos recentes: em 1997, uma operação policial na cidade alemã de Bremen encontrou quase a totalidade das peças de um dos quatro painéis em mosaico florentino da Sala original. Os painéis, decorados com ônix, ágata, opala e lápis-lazúli, foram presenteados pela imperatriz Maria Teresa da Áustria ao trono russo e simbolizavam, em sua intrincada decoração, os Cinco Sentidos. As peças que estavam sendo vendidas por um homem, filho de um soldado da Wermacht (exército alemão) da Segunda Guerra Mundial, e que foram autenticadas como verdadeiras, faziam parte do painel que combinava as alegorias do Tato e do Olfato. E em 2010, um caçador de tesouros russo descobriu um bunker do alto comando alemão da Segunda Guerra em Kaliningrado, onde ele acredita estar enterrado o tesouro da Sala de Âmbar.
* Âmbar: gema orgânica composta por restos da resina de pinheiros pré-históricos do Período Oligoceno, 30 milhões de anos atrás. Seus maiores depósitos encontram-se nas regiões do Mar Báltico. São grandes produtores mundiais de âmbar a Rússia, a Polônia e a Lituânia.
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