quarta-feira, 9 de julho de 2014

ASPECTOS ECONÔMICOS E SOCIAIS DAS JÓIAS DURANTE A IDADE MÉDIA

São variados os aspectos econômicos e sociais que influenciaram o uso das jóias durante o período medieval. A grande maioria dos materiais utilizados na confecção das jóias tinha um alto e variável preço, que dependia da disponibilidade do material, da demanda do mercado e da moda ou estilo vigente. Como regra geral, quanto maior o tamanho da gema, maior o seu preço.
A safira, gema preferida entre todas as outras até o final do século XIII, mais tarde cedeu mercado para o rubi, não só em preferência mas também em preço. No século XIV, o diamante tornou-se a gema mais cara e valiosa em praticamente toda a Europa, menos em Portugal e na Espanha, onde a esmeralda ocupava o topo doranking em preço e preferência. As pérolas circulavam em enormes quantidades e eram vendidas, em geral, pelo peso. O maior mercado europeu para as pérolas importadas do Oriente era Veneza, que também reunia o maior número de fundições da Europa do século XIII.

Mercado veneziano de jóias

A grande maioria dos clientes do mercado de jóias e gemas medieval era formada por reis, príncipes, nobres, membros do alto clero católico, e ricos comerciantes. Mercadores e a grande maioria dos comerciantes possuíam relativamente poucas jóias e as gemas eram utilizadas como reserva financeira: mesmo as gemas ou jóias que porventura quebrassem eram guardadas com cuidado, porque valiam como lastro. Já os reis, nobres e membros do clero utilizavam as jóias como adorno pessoal, como demonstração de munificência, para presentear e para validar acordos comerciais ou políticos.
Geralmente, as gemas eram oferecidas como presentes em casamentos, na passagem do Ano Novo e em algumas outras ocasiões importantes, algumas já destacadas acima.
No século XIV a importância das gemas valiosas era tão significativa, que algumas recebiam nomes próprios: Jean, Duque de Berry (1340-1416), possuía o "Grande Balas de Veneza" (comprado de Valentina Visconti em 1407), o "Balas de Orange" (comprado em 1408 de dois mercadores franceses), o "Balas de David", o "Rubi de Gloucester", o "Rubi de Apulia", o "Rubi da Montanha" (comprado em 1405), o "Rubi de Berry" (comprado em 1408) e o "Rei dos Rubis" (comprado para presentear seu sobrinho João Sem Medo, Duque da Burgúndia), entre várias outras gemas de imenso valor. Sendo uma prática comum entre famílias nobres principalmente, a oferta como presente ou em forma de dote tornava algumas gemas e jóias não só muito apreciadas por sua beleza ou valor mas também por suas associações familiares ou de Estado.



A aquisição e a posse de gemas preciosas eram assunto de grande interesse e satisfação dos nobres medievais, assim como os provia com um tesouro que podia ser utilizado para aumentar ainda mais a magnificência de suas roupas, jóias e baixelas. Algumas vezes, jóias individuais ou coleções de jóias eram vendidas por seus nobres possuidores para outros grandes personagens. Uma troca de jóias entre cortes distantes era um procedimento comum entre governantes. Em muitas ocasiões, frequentes durante o período medieval, jóias que tinham sido possuídas por nobres, homens e mulheres, eram deixadas em testamento para a Igreja e acabavam como parte do tesouro eclesiástico ou como parte da decoração de uma capela ou igreja. Era um procedimento muito comum oferecer-se jóias como pias doações a igrejas e santuários .
A oferta de jóias como presente a uma noiva quando do seu noivado, e depois quando da ocasião do seu casamento, era um conhecido costume social praticado por todas as classes sociais da Europa ocidental medieval. Em vários países era esperado que a família da noiva ou o noivo a presenteasse com ornamentos decorados com jóias em honra do seu novo status social de mulher casada. O noivo também oferecia a sua pretendente alguma jóia de significado sentimental especial, em geral um anel ou um broche.
Entre as classes mais abastadas, não existia nenhuma situação social em que dois amantes secretos pudessem presentear um ao outro com jóias livremente, ou mesmo usá-las abertamente (se recebidas em segredo como presente, o que acontecia com freqüência). No código da cavalaria cortês, o amante tinha o dever e a conseqüente necessidade de esconder sua afeição sob linguagem e símbolos enigmáticos, para não expor sua dama ao escândalo e à desonra. No século XIV, surge a solução para o problema: o cavaleiro escondia através de uma imagem - uma flor ou pássaro – o objeto do seu culto, enquanto imaginava , através das atitudes de sua amada, se o objeto oferecido era recebido e usado, ou rejeitado. Estas atitudes significavam que a dama (em geral, casada ou seriamente comprometida) aceitava, ou não, a afeição do seu admirador.
Os nobres ou assemelhados, durante praticamente todo o período medieval e em praticamente toda a Europa, podiam receber jóias de presente por participação ou vitória em torneios, assim como por sua iniciação no mundo da cavalaria galante.
Sobre o uso diário de jóias pelas classes mais elevadas da sociedade medieval ainda não se sabe o bastante, mas eram usadas em festins, festivais e festividades - casamentos, banquetes, danças, torneios e eventos religiosos – onde se celebrava tanto o esplendor secular quanto a pia devoção. Raríssimas foram as ocasiões em que reis, rainhas, nobres e cavaleiros apareceram em público sem estarem ornados por jóias que simbolizassem o seu status elevado na sociedade assim como a sua riqueza.
Nos círculos mais baixos da sociedade medieval o uso de jóias dividia-se em duas categorias: peças baratas para serem usadas diariamente e as chamadas "jóias de festa", para serem usadas em grandes ocasiões. Os casamentos sem dúvida eram considerados como um grande momento para se portar o que se tinha de melhor.
Na Idade Média não existia, basicamente, a distinção entre os sexos na utilização de jóias: ambos homens e mulheres portavam colares, anéis, broches, cintos ornados e diademas. A grande variedade e maior suntuosidade das jóias femininas dá-se, em parte, pela grande variedade de jóias para ornamentarem a cabeça e/ou os cabelos, assim como outros valiosos adereços para as vestimentas, e parte devido aos diferentes papéis vividos por homens e mulheres na sociedade medieval. Os homens utilizavam as jóias para os dias festivos e as mulheres, sempre que deixavam o lar, as portavam com suntuosidade. Provavelmente por isso é que a maior parte da legislação medieval que tratava da fabricação, comercialização e do uso das jóias, neste último aspecto tenha se dirigido mais às mulheres.
Existia, no entanto, mesmo nas questões teórico-legais sobre a utilização de jóias, diferenças de opinião sobre qual dos dois sexos deveria portar jóias mais ricamente: uns achavam que devia ser o homem, já que exercia um poder na sociedade muito maior que a mulher, com algumas restrições para a utilização exagerada de jóias; outros achavam que devia ser a mulher : "...está mais de acordo que seja a mulher a prender o homem a ela, pela utilização de seus adornos e atavios, do que o contrário...", escreveu Konrad von Megenburg (1309-74). Precauções, porém, como já escrevemos, deviam existir para evitar-se o excesso de jóias pela mulher: sermões e escritos religiosos sobre a vaidade e a ostentação eram constantes.


Desde praticamente o início do período medieval existem registros de jóias feitas especialmente para as crianças.
Famílias nobres e também burguesas adornavam seus filhos com broches e cintos decorados. As jóias infantis eram semelhantes, em estilo, às jóias usadas pelos adultos, mas em tamanho menor e feitas em materiais mais baratos. Na Itália do século XIV, era costume presentear-se os recém-nascidos com cruzes ou peças em coral para serem usadas ao pescoço, como proteção. Em pinturas do Quattrocento italiano podemos admirar o Menino Jesus em várias representações do tema A Virgem e o Menino usando peças em coral ao redor do pescoço. Algumas vezes, o exagero com que os pais adornavam suas crianças era tão grande, que suscitava sermões como o de São Bernardino à população de Siena: "Quando eu penso nas suas crianças, quanto ouro, quanta prata, quantas pérolas, quantos bordados vocês os fazem usar!".
A paixão medieval por jóias era tamanha que, apesar dos votos de pobreza, eram necessárias regras e normas para impedirem monges e freiras de as portarem. Em 1227, o sínodo de Trier proibiu as freiras de portarem qualquer tipo de jóias em prata ou ouro e ainda, cintos em seda e vestes bordadas. O estatuto do Hôtel-Dieu de Troyes de 1263 proibia as freiras daquela instituição de se ornarem com pedras preciosas, a não ser quando doentes – acreditava-se nos poderes curativos de algumas gemas. Mas as freiras de nascimento nobre tinham o privilégio de não só usarem jóias, como de as receber como presentes. Muitos do alto clero da Igreja davam a eles mesmos, licenças especiais para usarem jóias, e os membros menos poderosos seguiam o exemplo. Na arquidiocese de Milão, o uso de jóias e vestes adornadas com pedras preciosas era tão excessivo que em 1215 foi publicado um edito proibindo a utilização de jóias e vestes decoradas. As únicas exceções eram os anéis. Bispos e arcebispos os usavam como insígnia de sua posição e também os colecionavam, para servirem de lastro ou para serem ofertados como presentes.
As leis seculares expressavam a importância das jóias como símbolos de posição social. Ricos cidadãos e suas esposas eram freqüentemente proibidos de usarem jóias em ouro ou com pedras preciosas, privilégio da nobreza e do clero. Uma lei real francesa de 1283 ordenava que " Nenhum burguês ou burguesa portará jóias em ouro, adornadas com pedras preciosas ou pérolas, cintos em ouro ou diademas em ouro ou prata". Não foi somente o ciúme dos nobres em relação aos novos-ricos burgueses que causou o surgimento deste tipo de lei: da segunda metade do século XIII em diante, até em comunidades mercantis foram promulgadas leis para restringir a extravagância das vestimentas e das jóias usadas pelas mulheres, não só para assegurar a estabilidade das fortunas mas também para balancear as camadas da sociedade existente.

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